Na rúbrica de hoje "À PENDURA COM....", tenho o prazer de vos apresentar o ilustre motociclista Nuno Feliz, diretor do MotoClube do Porto, fotógrafo, cronista, camarada de trabalho, etc, etc...
Não são 5 para a meia noite, mas deixo-vos com a entrevista ao verdadeiro BOINAS:
Há quanto tempo andas de moto? Como surgiu esse bichinho pelas 2 rodas?
Oficialmente há 32, ou seja desde os 16, mas comecei a andar de moto aos 14 à rebelia da família. Vou nos 48 e espero continuar a andar de moto durante muitos e felizes anos.
O bichinho das 2 rodas acho que veio de origem na “programação da centralina”. Desde que me lembro de ser gente que as duas rodas me fascinam, os carros tirando um ou outro modelo mítico(como o meu saudoso 2CV) nunca me seduziram muito. A “desgraça” começou com as bicicletas mas as motos é que enchiam o meu imaginário e olha que na minha infância para conseguires ver uma moto a sério, tinhas que esperar pelo verão, que era quando apareciam os alemães, franceses e ingleses com os fatos de couro coçados e com os “aviões” da época carregados de malas e sacos.
Passava horas a admirá-las e com o pouco inglês que falava tentava saber como era conduzir uma moto de grande cilindrada. Depois o facto de os irmãos mais velhos dos meus amigos quase todos tinham pelo menos uma Sachs V5 artilhada, ou uma Famel Zundapp XF17 Super, fez o resto.
Um momento que nunca mais esqueço foi quando uma vez de férias me deparei com uma Suzuki Katana que na altura era a moto mais bonita do mercado, mas que só sabia que existia pelas revistas. Fui a correr ter com o meu pai e arrastei-o por um braço para ele vir tirar umas fotos à moto, fotos essas que durante anos estiveram na parede do meu quarto.
O que a moto significa para ti? Adotaste um estilo de vida diferente (música, vestuário, etc…)?
A moto para mim significa um modo de estar na vida, pois a sensação de liberdade e o prazer de precorrer uma estradinha cheia de curvas com boas paisagens, não existe mais nenhum veículo que te proporcione tais sensações. O saber que não há filas de trânsito, que mesmo nas cidades mais congestionadas encontras sempre um cantinho onde estacionar a tua menina á porta. Isso faz com encares qualquer deslocação com uma calma que mesmo naquele trajecto casa – trabalho que já fazes diariamente e há não sei quantos anos, te permite sempre disfrutar da condução.
Começa que a moto ao contrário dos automóveis é conduzida com o corpo todo, a posição do corpo para o equílibrio, mãos, pés, joelhos, tudo . Além de que não vais dentro duma gaiola metálica amarrado a um banco, mas sim em contacto com os elementos. O sentir o vento na cara e no corpo enquanto se conduz é indescrítivel.
É o meu meio de transporte diário e de eleição, não sou fundamentalista mas apenas pego no carro quando necessito transportar alguma coisa que não caiba na moto e se estiver mesmo um temporal desfeito com vento e chuva forte. Confesso que em deslocações pequenas à chuva o vestir e despir o fato de chuva é uma chatice, mas mal se começa a rolar isso já ficou esquecido.
O andar de moto não implica uma mudança de vestuário, conheço centenas de motociclistas que vão diariamente trabalhar de moto e de fato e gravata. Claro que quanto mais prático fôr o vestuário melhor. Infelizmente grande parte dos que andam de moto fazem questão de se vestir á “Biker” só para dar aquele ar que são um um motard a sério. E a maioria deles usa a moto apenas ao fim de semana, com sol e pelo menos 25 graus, para ir ao café que fica a 10 km de casa e a viagem maior que fizeram foi a Faro.
Eu como sempre andei de calças de ganga, T-Shirt e botas, a única modificação que fiz foi passar a andar de botas específicas para moto em vez de botas de montanha. Aquela coisa do Feios, Porcos e Maus nunca me seduziu e acho que muitas vezes dá um mau nome a quem anda de moto. O importante é andar sempre bem protegido, e hoje em dia há blusões bastante discretos que nem parecem blusões de moto. Eu recuso-me a pegar na moto sem o capacete, blusão e luvas.
A única mudança que fiz no meu estilo de vida é que desde que ando de moto passei a ser ainda mais Feliz.
Qual foi a 1ª moto que tiveste? Conta-nos como é que a compraste (tiveste de partir o porquinho mealheiro)?
Ora bem, eu tive a felicidade de como se diz fazer a Escolinha Toda, comecei com as motorizadas e só então comecei a escalada na cilindrada.
Comecei com uma KTM 50cc (com pedais auxiliares), tipo Mobylette que comprei com o dinheiro que ganhei a trabalhar nessas férias de verão. Esta máquina infernal já tinha passado por quase todos os meus amigos (devo ter sido para aí o 13º dono ) era sempre passada ao próximo “maçarico” pela quantia de 5 contos, que em 1980 era muito guito para quem vivia à custa dos cotas. Só para que conste fui duas vezes nessa motorizada a Vila Real ver as corridas de Superbikes. Era quase um dia para cada lado.
Depois passei para a famosa “Casal de 6”, a grande máquina da altura em que as motorizadas nacionais arrasavam as japonesas. Comprada em segunda mão a um amigo com o dinheiro ganho a fazer serviços de estafeta com a KTM no intervalo das aulas. Aliás apenas as duas últimas duas motos que comprei foram novas, de resto sempre fui ficando com motos de amigos que o dinheiro era pouco.
Com essa Casal iniciei as minhas grandes viagens de moto com idas a Espanha e a maior de todas, uma ida à margem norte de Marrocos... O Algarve! Entrei então no reino das motos e logo com um dos aviões da época, a Kawasaki 350 S2 Mach II, uma tri-cilíndrica a dois tempos que juntamente com as sua irmãs a 500 e a 750 têem um dos barulhos mais bonitos que até hoje ouvi numa moto. Ainda hoje me arrepio quando um amigo meu aparece com a dele.
Passaram mais algumas pelas minhas mãos, algumas muito pouco tempo, tais como uma Suzuki 125 Hustler e uma Suzuki RM 250cc. Aquelas que realmente contam foram: Uma Yamaha XT 500, uma das melhores motos que tive, companheira de grandes viagens e que mais saudades me deixou, ainda hoje me arrependo de a ter vendido. Seguiu-se uma Kawasaki ZXR 750 da primeira série, linda e que com a preparação que tinha batia-se com as 1000cc da altura. Mas que depressa descobri que as desportivas não eram de todo a melhor moto para mim. Fui forçado a vendê-la devido a uma lesão desportiva e estive uns anitos sem poder andar de moto.
Entretanto fui operado e mal recuperei comprei uma das minhas grandes paixões uma Ducati Monster M600 Dark. Uma das motos que mais prazer me deu conduzir, apesar de não ser muito potente, tinha um binário e um “empurrão” espectacular e numa estradinha revirada arrasava muitas adversárias bem mais potentes, tal é a capacidade de curvar daquela menina, saía sempre de cima dela com um sorriso de orelha a orelha. Isto para não falar no Berro, simplesmente fabuloso o som que saía daqueles dois escapes.
Infelizmente e talvez por ser uma paixão, a coisa não correu muito bem, pois em apenas 2 anos e meio levou com três enlatados (o primeiro tinha-a há apenas 2 dias), vá lá que os estragos foram sempre na moto e eu nunca me magoei. Tive-a durante 3 anos, mas como viajava bastante de moto (cerca de 6.000 a 7.000km) nas férias, tive que a trocar pois o conforto do banco em viagens longas não era dos melhores. Tudo bem que o podia trocar, mas a principal razão era a capacidade de carga que era muito reduzida e pouco prática. Com alforges e saco de depósito sempre que parava a moto tinha que a ter à vista ou então andar com a tralha toda às costas sempre que queria ir visitar qualquer coisa.
Entretanto a BMW lança a R1150R e como para mim motos são as Naked ou Roadster, mal vi a primeira foto disse: - Esta vai ser a minha próxima moto!
Assim foi , troquei a Monster pela BMW e esta tornou-se a minha companheira mais duradoura, já são 11 anos de excelente relação e muitos milhares de quilómetros pela Europa e Marrocos, e se continuar assim serão muitos mais. Tem tudo o que espero de uma moto: Confortável, ágil, espectacular a curvar, segura e capacidade de carga mais do que suficiente para as minhas viagens. Aliás tenho facilidade em experimentar várias motos e ainda não andei com nenhuma que me levasse a dizer: Trocava a minha por esta.
Qual a moto que te deu mais prazer conduzir até ao momento?
A seu modo todas elas me deram muito prazer conduzir e é difícil destacar uma, até porque são todas diferentes. Por exemplo a XT500 porque era um verdadeiro tractor, passava por cima de tudo e tinha um motor fabuloso. A ZXR 750 pela adrenalina de chegar muito, mas muito perto dos 300Km/h. A Duc pela facilidade de curvar e o berro. E finalmente a BMW por tudo, conforto, facilidade de curvar, etc.
És um gajo muito viajado. Qual a viagem que mais te marcou pela positiva (a que te deu mais prazer)?
Tenho a minha quota de viagens, já precorri grande parte da Europa e quase a totalidade de Marrocos. Aquela que nunca esquecerei é a primeira vez que fui a Vila Real na KTM 50, pela aventura e por ter sido a minha primeira “grande” viagem.
Mas a que mais me marcou pela positiva sem dúvida a que fiz em 2002 a Marrocos, por ser a primeira grande viagem com esta moto, pelo excelente grupo que me acompanhou (o mais importante para uma viagem correr bem) e por ter passado a passagem de ano no meio do deserto. Sim as motos de estrada também andam nas pistas do deserto.
Prazer todas elas me deram.
Provavelmente também já tiveste uma viagem que no final fez-te dizer: - “ali, nunca mais”! Descreve-a!
Nunca! Já tive viagens que correram menos bem, felizmente nunca tive avarias nem acidentes, mas o prazer de viajar de moto é tal que depressa os bons momentos fazem com que o que de mal se passou fique como uma recordação menos boa. Há é destinos que valem a pena repetir, outros viu-se uma vez e basta.
Li recentemente que foste homenageado pelos teus 10 anos no Moto Clube do Porto! Que significado tem isso para ti, ou seja, que significa fazer parte de um moto clube?
Sim foi uma homenagem pelos meus dez anos na direcção do Moto Clube do Porto. Significa o reconhecimento de um grande clube e do qual tenho maior orgulho em ser sócio pelo meu trabalho. Foram 10 anos de muito trabalho, mas que me deram muito prazer. E onde fiz muitos e bons amigos, cá e no estrangeiro.
O que significa ser sócio de um moto clube não é fácil explicar, até porque o Moto Clube do Porto é um clube que tem uma maneira de estar no meio motocliclista bastante diferente dos demais. Começa por ser um dos maiores e mais antigos moto clubes nacionais a par com o Moto Clube de Faro, fundador da Federação de Motociclismo de Portugal, organizador de provas de campeonatos da europa e do mundo de Trial, um Meritum da FIM, e que ao longo dos anos tem contribuído para melhorar a imagem dos motociclistas. Deve ser dos clubes nacionais mais reconhecidos a nível internacional, com colaborações directas com a FIM e UEM.
Penso que para a maioria das pessoas o fazer parte de um moto clube passa por sentir-se integrado num grupo que tem a mesma paixão, as motos. Eu conheço o Moto Clube do Porto desde a sua criação em 1986 e no entanto apenas me tornei sócio em 2000, e apenas porque organizavam as provas de Trial, modalidade que eu adoro, inclusivé neste momento faço parte da Comissão de Trial da Federação.
Eu nunca precisei de ser membro de um moto clube para andar de moto, inscrevi-me por causa do Trial, entretanto comecei a frequentar a sede e a participar nos eventose rapidamente notei que o clube tinha uma postura completamente diferente dos outros clubes. Enquanto a maioria existe para organizar a concentração anual, ou em grupo irem às concentrações dos outros, o Moto Clube do Porto não organizava nem tinha o hábito de ir “oficialmente” a concentrações, não usa os “Panos” (colete com o emblema bordado que é o orgulho de qualquer pseudo motociclista), não admite motos com escapes barulhentos, matrículas dobradas, etc. E principalmente tinha uma enorme quantidade de passeios e eventos que juntavam a parte cultural com o andar de moto. Juntando a tudo isto uma intervenção muito grande na sociedade e na aprovação de leis a favor dos motocicistas. O duplo Rail e a carta das 125 são fruto do trabalho da Federação, mas com um grande apoio do Moto Clube do Porto, Faro e mais alguns.
De começar a ajudar nos eventos e provas até chegar à direcção foi um instante e é daquelas coisa de que sempre me orgulharei.
Uma mensagem para quem se inicia no mundo das rodas? Qual os principais conselhos ou recomendações?
A minha regra de ouro para qualquer motociclista iniciado ou não é:
ACELERA APENAS AQUILO QUE SOUBERES TRAVAR!
Comecem com uma 125 para perceberem como é conduzir um veículo com o corpo todo e não apenas com as mãos e os pés, que é necessário inclinar para curvar com os problemas de aderência que isso implica, que não se pode travar de qualquer maneira, principalmente em curva, e em que o pára-choques é o corpo. Quando sentirem que já estão à vontade então sim passar para uma 500 ou 600 “civilizada” nada de R’s, a mudança de potência é abismal e as coisas acontecem muito mais depressa. E só então entrar no mundo das desportivas. Verão que vão tirar muito mais prazer das motos e durante muito mais tempo.
Fico possesso quando vejo pessoal que nunca andou de bicicleta na vida tirar a carta de moto, dirigir-se a um stand e comprar a moto mais potente que houver. Isto com as infelizes consequências que todos conhecemos, pois andar a direito não tem dificuldades, o problema são as rectas curvantes e quando temos que parar em pouco espaço. Aí normalmente a coisa corre muito mal. E...
DEIXEM AS CORRIDAS PARA AS PISTAS! Inscrevam-se num Track Day e aí sim andem como quiserem, as estradas não são autódromos e a vossa liberdade termina quando interfere com a liberdade dos outros que andam na estrada.
Sempre que um automobilista facilitar a passagem, agradeçam. Da próxima ele vai-se sentir muito melhor quando repetir o gesto. Respeitem todos os outros utentes da estrada da mesma maneira que querem que vos respeitem.
Mota e equipamento atual:
Mota: BMW R1150R de 2002 com 91.000km e pronta a fazer muitos mais
Capacete: SHOEI Syncrotec II Modular (para uso diário) / SHOEI XR1000 Integral (para uso em viagens)
Equipamento (vestuário): Blusão em Cordura ou Pele com protecções nos cotovelos, ombros e costas. Em viagem calças em Cordura com protecções nos joelhos e nas ancas por causa dos deslizamentos.
Equipamento (calçado): Botas em pele com cano e protecções nos tornozelos
Equipamento (luvas): Luvas com pelo menos a palma da mão em pele e protecções rígidas nos dedos
Intercomunicador: Nopes, não dou armas ao “inimigo”. Nem intercomunicadores, nem kit’s mãos livres, nem leitores de MP3. Distraem o condutor e melhor música que o barulho da minha moto em viagem, não conheço.
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